A arte diversa do mestre Athos Bulcão é destaque no CCBB-BH em mostra com 300 obras

A exposição celebra seu centenário e reúne trabalhos inéditos e peças de artistas contemporâneos influenciados por ele

O Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte celebra o centenário de Athos Bulcão com exposição que reúne 300 obras do artista, incluindo trabalhos inéditos e peças de artistas contemporâneos influenciados por este grande mestre. "100 anos de Athos Bulcão", em cartaz até 24 de maio, mostra a conexão entre suas obras e sua poética e resgata o valor individual dessa arte única, que foi produzida no Brasil; sua importância no panorama da visualidade moderna, além da valorização e reconhecimento à manutenção da memória nacional.

Com curadoria de Marília Panitz e André Severo, a exposição, realizada pela Fundação Athos Bulcão , traça o caminho de Bulcão no Brasil e no exterior, desde sua inspiração inicial pela azulejaria portuguesa, seu aprendizado sobre utilização das cores, quando foi assistente de Portinari, até as duradouras e geniais parcerias com Niemeyer e João Filgueiras Lima.

Dividida em núcleos, “100 anos de Athos Bulcão” vai além da arte da azulejaria: destaca também a pintura figurativa do artista realizada nos anos 1940 e 1950, antes de Brasília. A mostra contém ainda os croquis que Athos Bulcão fez para o grupo de teatro O Tablado, do Rio de Janeiro; os figurinos das óperas "Amahl e Os Visitantes da Noite de Menotti", paramentos litúrgicos modernistas, grande acervo de seu trabalho gráfico e até os lenços que desenhou quando estava em Paris.

Outro aspecto da exposição é a interatividade, desenvolvida a partir do caráter urbano e democrático da obra pública de Athos Bulcão inserida nas cidades. Através de um aplicativo criado especialmente para a mostra, o público é convidado a interagir e apropriar-se de projetos do artista.

Belo Horizonte registra uma forte presença de Athos Bulcão. Esse universo riquíssimo pode ser visto em construções como o Edifício Oscar Niemeyer, na Praça da Liberdade, ao lado do CCBB-BH; no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Na Igrejinha da Pampulha, Portinari teve Athos Bulcão como assistente para fazer os seus famosos azulejos.

A exposição

As obras do Núcleo 1, "A cor da fantasia", exibem o caráter figurativo, e menos conhecido, no conjunto de criação de Athos Bulcão. Com figuras simplificadas e uma paleta particular, as cores puras e os tons terrosos predominam. O universo imaginário do artista formalmente aproxima as festas profanas com as imagens religiosas que produziu, ainda no início dos anos 1960, para a Catedral de Brasília. Nesse núcleo estão também as vestes litúrgicas e projetos para painéis e vitrais de igrejas, assim como os desenhos realizados no final da vida do artista, quando o tema do carnaval que aparece como lembrança ancestral, reaparece.

As fotomontagens são um momento único na obra de Athos Bulcão. No Núcleo 2, chamado "Devaneios em preto e branco", elas apontam para certo pensamento tributário das experimentações surrealistas e de certa vertente construtiva presente nos desdobramentos da experiência da Bauhaus. Trata-se também da utilização daquilo que o aprimoramento do offset e das revistas possibilitou. Aqui é possível identificar a maestria da composição associada a um viés de humor. Além das Fotomontagens pertencentes ao acervo da Fundação Athos Bulcão, a mostra exibe pela primeira vez as colagens que deram origem a elas – todas pertencentes a uma coleção particular.

Na abertura do Núcleo 3, "É tudo falso", surge o artista segurando uma máscara que é a reprodução de uma outra, ancestral. O título do núcleo toma uma fala de Athos Bulcão que questionava a ideia de originalidade e, portanto, a de falsificação, assim como outros artistas seus contemporâneos. Junto a essas “pinturas objetos” estão pinturas, gravuras e desenhos em torno do mesmo tema da documentação antropológica imaginária. Ainda estão presentes alguns dos bichos – coleção de esculturas criadas em pequena escala, à maneira dos seres imaginários de Borges, e depois construídas em tamanho maior para ajudar o desenvolvimento do aparelho locomotor das crianças da Rede Sarah de hospitais.

No Núcleo 4, 'A geometria e a poesia", se pode observar mais profundamente o grande colorista Athos Bulcão e sua paleta de cores. Em um tríptico estão reunidos os três vieses desse grupo de obras pictóricas desenvolvidos entre o final dos anos 1960 e os anos 1990: as máscaras, que quase desfaziam a figuração; a associação de recortes quadrados que se espalhavam sobre o fundo monocromático; e as texturas com pequenos círculos, pontos, cruzes, quase ideogramas particulares criados pelo artista, que se espalham por toda superfície da tela e definem, sutilmente, formas que parecem instáveis dando-se a ver e desaparecendo sob o olhar do observador. Em diálogo com as telas, estudos de painéis de azulejos, desenhos e gravuras que comprovam o parentesco conceitual nas diversas experimentações: coerência e diversidade.

O Núcleo 5, "A forma reinventada e seus modos de usar" reúne as experiências do artista em diversos campos como capas de revistas e livros, ilustrações de jornais, projetos de estamparia em lenços e capas de discos. Também são apresentadas suas incursões no teatro – em especial, junto ao grupo O Tablado, de Aníbal Machado – onde foi cenógrafo e figurinista, além de designer dos programas das peças. Os projetos para mobiliário, realizados em residências particulares e também para a Rede Sarah, completam esse núcleo. É um bom momento para refletir como, a partir de uma clara proposta estética e conceitual, o artista se aventura por outros campos de fazer.

O Núcleo 6, "Construções/Montagens: a invenção de uma forma de integração da arte à arquitetura", é o maior núcleo da mostra. Dele fazem parte os trabalhos que evidenciam essa integração reconhecida em muitas cidades no Brasil – Brasília (mais massivamente), Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Natal, Recife, Salvador, Fortaleza, São Luiz, Teresina, Cuiabá, Aracajú, Vitória – e no exterior – Buenos Aires (Argentina), Praia (Cabo Verde), Lagos (Nigéria), Nova Delhi (Índia), Milão (Itália), Saint-Jean-Cap-Ferrat (França). Nesse conjunto de obras é possível observar o método do artista, sua precisão e sua abertura para a surpresa, para o inesperado, o que mantêm sua obra com um frescor perene.

À maneira de um jogo, o visitante é convidado a interagir e apropriar-se de projetos de painéis de azulejos (marca maior do trabalho do artista). O exercício proposto no Núcleo 7, "Interagir com Athos Bulcão, transformar a cidade", ocorre através da utilização de um aplicativo desenvolvido especialmente para a mostra. A reprodução de imagens projetadas na parede da sala permite que o público possa experimentar os azulejos de Athos Bulcão sobre superfícies de prédios escolhidos dentro do repertório oferecido pelo jogo.

O Núcleo 8, "Rastros de Athos Bulcão", mostra a influência de Athos no trabalho de artistas contemporâneos. Obras de alguns artistas que reconhecem de alguma forma a presença de Athos Bulcão em suas poéticas são exibidas junto a obras de Athos Bulcão, que correspondem a esta zona de influência.

O artista

Nascido no Catete, Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1918, Athos passou sua infância em Teresópolis. Perdeu a mãe, Maria Antonieta da Fonseca Bulcão, de enfisema pulmonar antes dos cinco anos e foi criado com seu pai, Fortunato Bulcão, entusiasta da siderurgia, amigo e sócio de Monteiro Lobato, com o irmão Jayme, 11 anos mais velho, e com suas irmãs adolescentes Mariazinha e Dalila, que substituíram a mãe.

Enquanto crescia, passava muito tempo dentro de casa e, por ser muito tímido, misturava fantasia e realidade. Na família havia um interesse pela arte e suas irmãs o levavam freqüentemente ao teatro, ao Salão de Artes, aos espetáculos das companhias estrangeiras, à ópera e à Comédia Francesa. Athos aos quatro anos ouvia Caruso no gramofone, e ensaiava desenhos sem, no entanto, chamar a atenção da família. Chegou às artes graças a uma série de acidentais e providenciais lances do acaso.

Athos foi amigo de alguns dos mais importantes artistas brasileiros modernos, os maiores responsáveis por sua formação. Carlos Scliar, Jorge Amado, Pancetti, Enrico Bianco - que o apresentou a Burle Marx -, Milton Dacosta, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Ceschiatti, Manuel Bandeira entre outros.

Aos 21 anos, os amigos o apresentaram a Portinari, com quem trabalhou como assistente no Mural de São Francisco de Assis na Pampulha e aprendeu muitas lições importantes sobre desenhos e cores. Antes de pintar, planejava as cores que usaria e acredita fervorosamente que o artista tem de saber o que quer fazer. Athos não acredita em inspiração. Para ele, o que existe é o talento e muito trabalho. "Arte é cosa mentale", diz, citando Leonardo da Vinci.

A trajetória artística de Athos Bulcão é especialmente consagrada ao público em geral. Não ao que freqüenta museus e galerias, mas ao que entra acidentalmente em contato com sua obra, quando passa para ir ao trabalho, à escola ou simplesmente passeia pela cidade, impregnada pela sua obra, que "realça" o concreto da arquitetura de Brasília.

Como diria o arquiteto e amigo pessoal, João Filgueiras Lima, o Lelé, "como pensar o Teatro Nacional sem os relevos admiráveis que revestem as duas empenas do edifício, ou o espaço magnífico do salão do Itamaraty sem suas treliças coloridas?", difícil imaginar. Athos é o artista de Brasília. As obras que aqui realizou foram feitas para o convívio com a população e carregam a consideração por esta cidade e seus habitantes.

Athos Bulcão estava em tratamento contra o Mal de Parkinson desde 1991 no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Faleceu após uma parada cardiorespiratória no dia 31 de julho de 2008, aos 90 anos. (Fonte: Fundação Athos Bulcão)

Fomos ao CCBB Bh conferir a exposição. Da uma olhada!

Serviço:
Exposição: "100 anos de Athos Bulcão. Curadoria: Marília Panitz e André Severo. Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH). De de quarta-feira a segunda-feira, das 9h às 21h. Até 24 de junho. Entrada gratuita

 

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